quarta-feira, 21 de maio de 2014

Conclusões do Encontro Nacional de Cientistas em Portugal - Lisboa, 3 de Maio de 2014

Plataforma de Cientistas conclui que deve ser realizada uma Auditoria externa ao funcionamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia


Decorreu no passado dia 3 de Maio o Encontro Nacional de Ciência, promovido pela Plataforma em Defesa da Ciência e do Emprego Científico. Neste encontro, entre outros temas de interesse geral, foi abordada a política de financiamento da investigação científica que tem sido seguida em Portugal nos tempos mais recentes e as medidas que têm sido tomadas pela tutela e pelos organismos com maior responsabilidade na execução destas políticas a nível nacional. Foi analisado, em particular, o desempenho da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) sob a orientação da sua actual Direcção na condução das políticas de financiamento de recursos humanos e no seu relacionamento com a comunidade de investigação científica nacional.

Desta análise resultaram as seguintes conclusões:

  • A actual Direcção da FCT, presidida pelo Prof. Doutor Miguel Seabra, tem adoptado uma postura caracterizada pela ausência de diálogo com a comunidade científica. Tem evitado a auscultação prévia de alguns dos principais representantes institucionais e dos investigadores quando se trata de tomar decisões da maior relevância para o sistema científico e tecnológico nacional (SCTN). E tem recusado inflectir políticas obviamente inadequadas e corrigir os erros da sua actuação mesmo quando estes se tornam flagrantes. Um exemplo desta atitude, revelou-se quando em Fevereiro deste ano (2014) a FCT, sem qualquer aviso prévio, anunciou a sua decisão de adoptar novos procedimentos no exercício de avaliação de Unidades de Investigação que estava em curso. Perante a reacção do Conselho de Laboratórios Associados (CLA), que em comunicado público [1] denunciou a falta de transparência de todo o processo e alertou para o risco de se minar a confiança nos procedimentos de avaliação, a FCT respondeu evasivamente, sem dar resposta às principais questões que lhe haviam sido colocadas e mantendo a sua intenção de levar avante um processo de avaliação opaco e com falta de rigor [2] [3].

  • A falta de transparência e as irregularidades processuais têm caracterizado os mais recentes concursos e as avaliações realizadas sob orientação da FCT. Estas falhas foram evidenciadas no concurso Investigador FCT 2013 (IF-2013), desde a fase de candidatura, passando pela fase de avaliação onde as irregularidades observadas [4] foram de tal ordem que causaram o descrédito generalizado no processo, e culminando no anúncio da atribuição dos lugares e da contratação desses investigadores antes da resposta às reclamações realizadas pelos concorrentes em fase de audiência prévia. Como se tal não bastásse para causar legítima apreensão no seio da comunidade científica, o concurso de bolsas de investigação individuais de doutoramento (BD) e pós-doutoramento (BPD) realizado em 2013 caracterizou-se igualmente por sérias irregularidades que foram alvo de denúncia por membros dos painéis de avaliação [5] [6] e acabaram em parte por ser reconhecidas pelos próprios responsáveis da FCT.

  • As decisões tomadas pela FCT em matéria de financiamento da investigação têm causado  insatisfação generalizada na comunidade científica. A redução drástica do número de bolsas de pós-doutoramento e de doutoramento (ainda que contabilizando as anunciadas BD dos Programas de Doutoramento FCT), aliada ao reduzido número de lugares colocados a concurso para investigadores nos programas IF-2012/2013, que não permitem sequer manter os efectivos em investigação que terminaram os seus contratos ao abrigo dos Programas Ciência, consubstancia uma acentuada redução no investimento em recursos humanos (RH) em Ciência e Tecnologia. Este desinvestimento em RH conjugado com os cortes abruptos que a tutela efectuou em 2012 e 2013 no financiamento das Universidades e dos Laboratórios Associados [7], fazendo tábua-rasa dos contratos pluri-anuais estabelecidos com o Estado, coloca em risco de desaparecimento muitos centros de investigação. Esta política contraria a estratégia aconselhada não só por analistas independentes mas pelo próprio Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNCT), um órgão consultivo do Governo que, reconhecendo o atraso ainda significativo da investigação nacional em comparação com a média europeia segundo diversos indicadores, aconselha que “se evite um desinvestimento nas universidades e na investigação, para que elas ganhem em vez de perderem competitividade” [8]. São também claras as críticas recentes do CNCT à actuação da FCT por esta não apresentar um plano estratégico de fundo, por não envolver a comunidade na discussão das suas orientações e por realizar alterações abruptas causadoras de forte instabilidade no sistema científico [9]. Importa também referir que, nos dois últimos anos, a FCT não tem tornado públicas [10] as estatísticas do investimento em investigação científica, apesar das alegações de uma manutenção deste investimento ou mesmo de um eventual aumento das verbas disponilizadas às instituições.

  • Verifica-se assim que a actual direcção da FCT tem tomado medidas avulsas e de carácter disruptivo, invariavelmente associadas a cortes orçamentais, tendentes a inverter a evolução positiva da investigação científica que se vinha a observar na última década no nosso país. O facto de a FCT, em consonância com a atitude da tutela, não revelar publicamente qualquer estratégia de fundo nem discutir com os principais agentes e representantes do SCTN as medidas que tem vindo a adoptar, cria um contexto de falta de transparência francamente indesejável e  acentua o clima de insatisfação e de perda de confiança na actual direcção daquela Fundação. Torna-se assim legítima a interrogação cada vez mais corrente na comunidade científica e também na opinião pública sobre a existência de alguma estratégia subjacente à actual política de financiamento da ciência.

  • Perante estas conclusões, os membros da comunidade científica presentes no encontro declaram a sua falta de confiança na actual Direcção da FCT e propõem que seja realizada uma auditoria externa  ao funcionamento dos serviços da FCT que permita aferir da existência de uma estratégia subjacente às políticas actuais, determinar o  montante real das verbas geridas por aquele organismo e avaliar a alocação dos recursos financeiros à investigação científica nas suas diferentes vertentes.

A comunidade científica, através dos seus principais representantes, tem demonstrado uma permanente abertura ao diálogo e estará sempre disponível para apresentar propostas construtivas e para continuar a contribuir activamente para a melhoria do desempenho do sistema científico nacional. Torna-se no entanto necessária uma atitude igualmente aberta e construtiva da parte da tutela e da FCT na condução das políticas nacionais ciência e tecnologia.


Referências:

[1]  Comunicação do Conselho dos Laboratórios Associados (CLA) à FCT sobre avaliação das Instituições de Investigação Março 2014 (http://www.cla.org.pt/docs/COMUNICADO%20SOBRE%20AVALIACAO%20enviado%20A%20FCT.pdf)

[2]  Resposta da FCT enviada ao CLA - Conselho dos Laboratórios Associados 11 Março 2014 (http://www.cla.org.pt/docs/Resposta%20da%20FCT%20enviada%20ao%20CLA_11-03-2014.pdf)

[3]  Reacção do CLA à resposta da FCT 17 Março 2014 (http://www.cla.org.pt/docs/Reaccao%20do%20CLA%20a%20resposta%20da%20FCT.pdf)

[4]  Documento preparado pela Plataforma em Defesa da Ciência e do Emprego Científico sobre as "Irregularidades e Ilegitimidades apontadas pelos candidatos ao concurso Investigador FCT 2013" 24 Dezembro 2013 (http://empregocientifico.blogspot.pt/p/irregularidadese-ilegitimidades.html)

[5]  Carta do Painel de Sociologia dirigida ao Presidente da FCT 20 Janeiro 2014 (http://www.aps.pt/cms/files/conteudos/file/DESTAQUES%20NEWSLETTER/Carta%20Presidente%20FCT%20Painel%20Sociologia.pdf).

[6]  Carta da Associação Portuguesa de Antropologia sobre o Concurso de Bolsas de Doutoramento e Pós-doutoramento da FCT 2013 22 Janeiro 2014 (http://www.apantropologia.org/wp-content/uploads/2014/01/Carta-Prof-Susana-Matos-Viegas.pdf).

[7]  Deliberação do Conselho dos Laboratórios Associados sobre financiamento dos Laboratórios e Unidades de I&D 19 Novembro 2012 (http://www.cla.org.pt/2013/Deliberacao%20do%20CLA%20-%2019%20nov%202012.pdf).

[8]  Contributo Preliminar do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia sobre o documento “Position of the Commission Services on the development of Partnership Agreement and programmes in PORTUGAL for the period 2014-2020” e Contributo para a negociação do Acordo de Parceria na área da Ciência e Tecnologia 23 Outubro de 2013 (http://media.wix.com/ugd/b605ff_807e487399204dfdb7f682793da1bd72.pdf).

[9]  Reflexão e Recomendações do CNCT sobre as recentes alterações às políticas nacionais de recursos humanos em ciência e tecnologia Janeiro de 2014 (http://media.wix.com/ugd/b605ff_40147131745a416ca86b811013624925.pdf).


[10]  Não estão disponíveis as “Estatísticas FCT — Investimento no Sistema Científico e Tecnológico Nacional” (http://www.fct.pt/estatisticas/global.phtml.pt), nem os “Relatórios de Actividades” (http://www.fct.pt/documentosdiversos.phtml.pt) da FCT para os anos 2012 e 2013 [última consulta a 20 Maio 2014].