A política da terra queimada ou a estratégia para a ciência em Portugal 2013


            Geralmente conhecida como táctica de guerra, a política da terra queimada consiste basicamente na destruição de tudo o que seja essencial para a sobrevivência num determinado local. Assim, o exército que utiliza esta estratégia vai sucessivamente recuando no terreno, destruindo tudo à sua passagem, com o intuito de derrotar pelo cansaço, pelo desespero ou mesmo pela doença quem o persegue.
            As ligações com a situação da ciência em Portugal 2013 parecem-me óbvias,  não obstante, não me coíbo de tecer algumas considerações. Todo o clima de desconfiança em torno da falta de transparência no concurso de Investigador FCT e na avaliação dos candidatos, é sinónimo de tudo isto. Mas antes da análise das implicações directas deste concurso, proponho uma análise de algo mais importante... do perfil das pessoas que o integram:
1.      Estes investigadores são docentes em várias universidades, ou seja, são responsáveis pela formação de várias gerações nas áreas científicas da sua especialidade;
2.       Os mesmos investigadores têm uma produção científica que nos coloca na linha da frente da investigação a nível mundial – através das suas publicações ou mesmo da integração de redes de investigação a nível mundial;
3.      Orientam dezenas de mestrandos e/ou doutorandos nas suas universidades;
4.      São responsáveis por projectos de investigação em curso;
5.      São coordenadores de linhas de investigação nas suas unidades, pertencendo também à direcção das mesmas.
O facto que decorre directamente deste concurso é o de que centenas de pessoas com este perfil serão despedidas, ou seja, perderão o seu emprego! Seria mau demais se tudo isto acabasse por aqui, mas a realidade não é essa. Fazendo uma estimativa (por baixo) serão 1000 investigadores a ficar sem emprego. Se em média cada um tiver 5 orientandos (que têm mais) serão 5000 pessoas prejudicadas com toda esta situação. Se cada unidade de investigação perder investigadores, a sua capacidade competitiva ficará fragilizada em concursos futuros. Lembro que as unidades de investigação tiveram de entregar recentemente um planeamento para o período 2015-2020 que é necessariamente fictício e, como tal, hipócrita se tivermos em conta estes resultados do concurso Investigador FCT. O ensino nos departamentos universitários ao nível do 1º, 2º e 3º ciclos ficará empobrecido e em muitos casos poderá recuar décadas (recordo que muitos destes investigadores fizeram a sua formação no estrangeiro para, posteriormente, desenvolverem áreas científicas em Portugal). Vários projectos de investigação (financiados) ficaram a meio do caminho originalmente traçado.
Tudo isto é indamissível por todas as razões que podemos imaginar, mas principalmente por estamos perante a clara tentativa de destruição de uma classe profissional, de um sistema de ensino universitário que é competitivo e de referência, de redes de investigação construídas nas últimas décadas. Mas também pelo desrespeito por todos os anos de dedicação de pessoas que utilizaram dinheiros públicos (nacionais, mas também europeus) para desenvolverem o campo da ciência em Portugal.
Assim, lanço aqui o apelo para que os esforços que todos temos desenvolvido não se esgotem neste concurso Investigador FCT. Sejamos claros: mestrandos, doutorandos, investigadores e docentes fazem investigação e estão directamente implicados nisto. A questão de fundo não é apenas a contestação do concurso já referido e que tem centrado praticamente todas as atenções nas últimas semanas. É, outrossim, a contestação da estratégia que este governo (relembro que a Fundação para a Ciência e Tecnologia é tutelada pelo Ministério da Educação e Ciência) tem para a ciência: a destruição da riqueza construída nas últimas décadas e o recuo da ciência produzida em Portugal.
A excelência e a competitivadade (como os nossos governantes apregoam incessantemente) não se alcançam destruindo o que já foi criado. A estratégia deveria ser ao contrário, ou seja, reforçar o que já está feito, aumentando o número de profissionais na área da ciência (nomeadamente num apoio mais efectivo aos doutorandos) e alargando assim o âmbito das áreas científicas.
Os resultados do concurso para as bolsas individuais de doutoramento e pós-doutoramento estão para breve e de seguida serão os resultados do financiamento das unidades de investigação. Agora que nos juntámos todos - que acordámos - não podemos ficar por aqui nas nossas exigências. Na verdade, exigimos apenas o mínimo: total transparência nos concursos e mais dignidade para o trabalho científico.

João Romão, Musicólogo, Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical, FCSH-UNL
             

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